A distribuição de royalties aos municípios na cadeia de exploração de petróleo e gás natural

A Constituição Federal, em seu artigo 20, parágrafo primeiro, assegura à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural.

Art. 20. São bens da União:

(…)

§ 1º É assegurada, nos termos da lei, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

Na prática, duas leis ordinárias definem a distribuição dos royalties: a lei 7.990/89 e a lei 9.478/97. A lei 9.478/97, significativamente modificada pela lei 12.734/12, trata das regras de distribuição da parcela que representar 5% da produção, correspondente ao montante mínimo, conforme o art. 48, e da parcela excedente, acima de 5%, conforme o art. 49.

Assim, as regras de distribuição são diferentes para a alíquota básica de 5% e para a alíquota acima de 5% e variam conforme o ente federativo, sua participação no processo e se a produção é terrestre ou marítima.

Em síntese, assim se dá a arrecadação de royalties:

TERRA

Montante mínimo (5%)

70% aos Estados onde ocorrer a produção

20% aos Municípios onde ocorrer a produção

10% aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque

Parcela excedente (>5%)

52,5% aos Estados onde ocorrer a produção

15% os Municípios onde ocorrer a produção

7,5% aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque

25% para a União, a ser destinado ao Fundo Social

MAR Montante mínimo (5%)

20% aos Estados confrontantes

17% aos Municípios confrontantes e respectivas áreas geoeconômicas

3% aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque

20% para constituição de fundo especial, a ser distribuído entre Estados e o Distrito Federal

20% para constituição de fundo especial, a ser distribuído entre os Municípios

20% para a União, a ser destinado ao Fundo Social

Parcela excedente (>5%)

20% aos Estados confrontantes

17% aos Municípios confrontantes e respectivas áreas geoeconômicas

3% aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque

20% para constituição de fundo especial, a ser distribuído entre Estados e o Distrito Federal

20% para constituição de fundo especial, a ser distribuído entre os Municípios

20% para a União, a ser destinado ao Fundo Social

2. Possibilidade de arrecadação de royalties pelo município

Conforme a tabela antecedente, o município pode vislumbrar a arrecadação de royalties nas seguintes hipóteses: nas extrações terrestres (I) quando for produtor ou (II) quando for afetado pelas operações de embarque e desembarque; e nas extrações marítimas (III) aos Municípios confrontantes e respectivas áreas geoeconômicas ou (IV) quando o município for afetado pelas operações de embarque e desembarque.

Destaca-se que o STF julgou em 2019, no bojo da ADI 4846, pela constitucionalidade do art. 9º da lei 7.990/89. Assim, os estados devem repassar aos municípios que integram seu território 25% dos royalties percebidos pela exploração de recursos naturais.

2.1 Municípios produtores – terra

São os municípios onde estão localizados campos ou poços produtores de petróleo e/ou gás natural.

2.2 Municípios confrontantes e áreas geoeconômicas – mar

Quando a produção ocorre em plataforma continental, utiliza-se o conceito de municípios confrontantes e áreas geoeconômicas, ante a inaplicabilidade fática do conceito de município produtor.

Municípios confrontantes são os municípios cujas linhas de projeção (ortogonais e paralelas) sobre a plataforma continental, traçadas a partir dos respectivos limites territoriais com a costa, comporte algum poço ou campo de petróleo.

Já as áreas geoeconômicas dos municípios confrontantes são formadas por 3 zonas, que se diferem conforme as atividades de produção e impactos da atividade petrolífera na área: zona de produção principal, zona de produção secundária e zona limítrofe. Os critérios de definição das zonas estão dispostos no art. 4º da lei 7.525/86.

2.3 Municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque – terra e mar

Inicialmente, destaca-se que o royalty é distribuído segundo a origem do petróleo e gás natural, não importando a localização da instalação (terrestre ou aquática).

De acordo com o Decreto 8.876 de 2016, “consideram-se como instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou gás natural as monoboias e suas bases de apoio operacional marítimo, os quadros de boias múltiplas e suas bases de apoio operacional marítimo, os píeres de atracação, os cais acostáveis e as estações terrestres coletoras de campos produtores e de transferência de óleo bruto ou gás natural, obedecidos os critérios estabelecidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP.”

Ainda, a lei 12.734/12 inovou em relação à lei 9.478/97, com a previsão de que “os pontos de entrega às concessionárias de gás natural produzido no País serão considerados instalações de embarque e desembarque, para fins de pagamento de royalties aos Municípios afetados por essas operações”. Estes pontos, que desde 2012 são equiparados às instalações de embarque e desembarque, são os chamados city gates.

Os city gates integram a distribuição do produto já processado, são pontos onde o gás é entregue pelas transportadoras para a empresa concessionária responsável pela distribuição de gás canalizado. Como o gás natural é mantido sobre uma pressão consideravelmente elevada, antes da sua utilização é necessário reduzir a pressão. Esta regulagem é feita no city gate, um conjunto de equipamentos e válvulas que caracterizam o ponto de entrega ou de transferência do gás.

Em síntese, a lei 12.734/12 promove uma equiparação jurídica entre os pontos de entrega e as instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, para atribuir os mesmos efeitos jurídicos a situações que, tecnicamente, se diferem.

Cumpre destacar que a percepção de royalties por municípios que possuem city gates não pode acontecer em caráter retroativo, visto que a lei 12.734/12 inova o direito posto, excedendo o caráter meramente interpretativo, como já decidiu o STJ (RE 1.452.798). Assim, os municípios que detém pontos de entrega só podem pleitear os royalties correspondentes a 2012 em diante.

O enquadramento dos municípios na condição de afetados por instalações de embarque e desembarque é feito pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e impulsiona diversos litígios. Com a equiparação dos city gates às instalações de embarque e desembarque para fins de distribuição de royalties, houve uma pacificação dos contenciosos judiciais, já que esta era a principal controvérsia motivadora das demandas.

Todavia, a mera passagem de gasodutos não enseja distribuição de royalties ao município, como ilustra a decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ROYALTIES. DISTRIBUIÇÃO. CRITÉRIOS. LEIS 7.990/89 E 9.478/97. PORTARIA 29/2001 DA AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO – ANP. MUNICÍPIO NÃO ENQUADRADO NOS REQUISITOS LEGAIS. 1. A participação dos municípios no resultado da exploração do petróleo e gás natural encontra previsão no art. 20, Parágrafo 1º, da Constituição Federal. 2. A lei 9.478/97, ao dispor, em seu art. 49, sobre os critérios de distribuição da parcela do valor do royalty que exceder a 5% (cinco por cento) da produção, reporta-se “aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural”. 3. A interpretação conferida pela Portaria 29/01 da ANP constitui uma interpretação razoável da lei que regulamenta, mormente porque esta última, em nenhum dos seus preceitos, menciona os Municípios que constituírem simples passagem dos gasodutos como destinatários dos royalties. 4. A lei 9.4789/97, ao dispor sobre a política energética nacional e instituir a Agência do Petróleo, atribuiu-lhe a finalidade institucional de “promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis”. Em seu art. 49, I, alínea c, e II, alínea d, por seu turno, condicionou a distribuição dos royalties em comento à forma e aos critérios estabelecidos pela Agência Nacional de Petróleo – ANP. (…). Agravo de instrumento improvido.

(TRF-5 – AGTR: 86485 AL 0006966-22.2008.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal Geraldo Apoliano, Data de Julgamento: 07/08/08, Terceira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça – Data: 26/09/08 – Página: 1114 -187 – Ano: 2008)

Conclui-se, após ampla pesquisa, que após a alteração legislativa de 2012, está pacificada a distribuição de royalties aos municípios nos quais sejam verificadas operações de produção, embarque, desembarque ou city gates. Contudo, não há no ordenamento jurídico brasileiro qualquer respaldo à percepção de royalties por mera passagem de gasodutos.

Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/343736/distribuicao-de-royalties-na-cadeia-de-exploracao

LEONARDO ANACLETO RODRIGUES

Advogado inscrito na OAB/MG sob o n° 172.162; Presidente da Comissão de Direito Societário da OAB/MG; Pós-Graduado em Direito dos Contratos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – Portugal; Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos.